O REPÓRTER, por Alvin Silverman


Cláudio Amaral

Aproveitei as férias de julho e o friozinho do Outono aqui no Hemisfério Sul para colocar parte da minha leitura em dia.

Entre os muitos livros que me passaram pelas mãos esteve “A Vida de um Jornal”.

Esta obra faz parte da minha coleção de publicações especializadas em Jornalismo e foi escrita nos Estados Unidos por Alvin Silverman, então “Chefe do Escritório de Washington do Plain Dealer, de Cleveland, um dos mais influentes diários da América”.

A primeira edição brasileira saiu aqui em junho de 1965 pela Editôra (era assim que se escrevia na época, com acento circunflexo) Lidador, cuja matriz estava sediada no Rio de Janeiro.

Em meio às perguntas que você pode vir a me fazer, imaginei:

- Por que ler uma obra cujo título é “A Vida de um Jornal”?

- Por que ler um livro publicado há 45 anos?

- Por que “perder tempo” com uma publicação vinda dos Estados Unidos?

- Por que, enfim, dedicar tempo precioso a saber detalhes a respeito do “Jornal Moderno” que está totalmente superado?

Inconscientemente, fiz-me (bonito, não?) todas essas e outras perguntas antes de começar a ler “A Vida de um Jornal”.

Mas foi só inconscientemente, porque, se tivesse feito uma, pelo menos uma pergunta do gênero antes..., eu não teria nem sequer iniciado a leitura.

Ainda bem, porque entre os 12 textos que encontrei em “A Vida de um Jornal” existe um que me agradou muito e me levou a escrever esse texto: “O Repórter”.

Trata-se de um texto que pretendo ler periodicamente, assim como recomendar aos leitores do blogue “Aos Estudantes de Jornalismo”.

É por isso que o reproduzo a seguir, exatamente nos termos em que foi publicado em junho de 1965:

O REPÓRTER

Uma das lendas da imprensa americana diz que o jornal é tão forte quanto seu quadro de repórteres. Isto é verdadeiro até certo ponto. Êsses profissionais indubitàvelmente constituem o ponto forte da organização. Mentalmente ágeis e observadores exatos, espera-se que apresentem aos leitores fatos comprovados e não boatos vagos e opiniões inçadas de preconceitos.

Há, no entanto, outras partes altamente importantes da estrutura do jornal, incluindo o pessoal da redação, que designa os repórteres para as missões, os membros do copy desk, que revisam as reportagens, e os heróis esquecidos das oficinas. Não devemos esquecer também os fotógrafos, que são realmente repórteres em todos os sentidos, salvo no de contar a história com uma câmara em vez de usar o lápis. Nenhum empregado de jornal metropolitano trabalha mais, por menos dinheiro e menos simpatia, ou em condições mais difíceis, do que o fotógrafo. O repórter pode cometer um êrro gramatical e êle será corrigido na redação. Se o fotógrafo erra, todavia, a foto que poderia ter contado o fato melhor do que centenas de palavras perde-se para sempre. Se consegue a foto, nas piores circunstâncias de multidões e condições do tempo, um pequenino êrro na câmara escura pode destruir-lhe todos os esforços.

Ainda assim, os repórteres são indubitavelmente os glamorosos do mundo jornalístico. Na Europa, a palavra “repórter” não encerra significado muito importante. Lá, o que conta é “jornalista”. Nos Estados Unidos, o indivíduo que chama a si mesmo de “jornalista” torna-se imediatamente suspeito, e é considerado um semiprofissional, na melhor das hipóteses, e um tolo pomposo, na pior. (Uma velha definição americana de jornalista diz que êste é a pessoa que vive tomando dinheiro emprestado dos repórteres.)

Graças à ficção e ao cinema, o repórter é figura muito mais glamorosa fora da redação e da profissão. Os repórteres dos grandes diários americanos recebem salários que variam de 75 a 300 dólares por uma semana de cinco dias, oito horas diárias – dependendo da experiência, capacidade e condições financeiras do empregador. Essa soma representa freqüentemente menos dinheiro, por trabalho mais árduo, do que a ganha por membros do quadro editorial e comercial, cujas identidades são geralmente desconhecidas do público.

Os chefes de redação há muito puseram-se de acôrdo sôbre, pelo menos, um dos atributos mais necessários ao bom repórter. Dizem que êle deve possuir um excelente “par de pernas”. Na gíria da imprensa, essa expressão significa a disposição de deixar a escrivaninha, o telefone e o escritório confortável e dirigir-se à cena da reportagem e conversar face a face com os indivíduos envolvidos no acontecimento. Em suma, significa o desejo de levantar-se, sair, mover-se. Não há dúvida também que uma curiosidade insaciável é necessária ao jornalista. Isto requer mais do que uma mente indagadora. Exige a ardente compulsão de saber, a disposição de fazer perguntas difíceis a fim de descobrir não sòmente os fatos em tôrno de questões importantes, mas também o que parecem detalhes triviais.

O bom repórter deve ter a honestidade intelectual do membro sério de qualquer profissão. Alguns chamam a essa honestidade de objetividade – a capacidade de perceber os dois lados de um assunto e de evitar tornar-se pessoalmente envolvido. É isto, mas também honestidade de espírito. É o tipo de temperamento que não reage ao insulto com a ira ou à ira com o insulto. O repórter deve recordar constantemente que êle é um desinteressado cronista de fatos. Como tal, deve esforçar-se para proporcionar um relato completo, exato e sem preconceitos do acontecimento. O bom repórter interessa-se tanto pelos elos ausentes da trama como por aquilo que já comprovou como fato. A fim de conseguir um relato completo, por conseguinte, deve fazer perguntas, algumas vêzes hábil e diplomàticamente, e sempre inquisidoramente. Uma vez que o jornal diário constitui a história dos acontecimentos mundiais em determinado dia, o repórter deve conhecer tanto quanto possível o mundo em que vive. Necessita de tanta educação e informações explicativas quantas possa obter. Acima de tudo, deve cultivar numerosos amigos e conhecidos, pois a sua mais importante fonte de notícias é aquilo que lhe dizem. Os conhecidos, por conseguinte, são vitais para seu êxito.

Provàvelmente todos os jovens que têm facilidade para escrever, possuem imaginação e transbordam do desejo de aventuras imaginaram-se algum dia na posição do repórter. Sendo tão acesa a concorrência por êsse lugar, de que modo pode o jovem converter o sonho em realidade?

O rapaz ou môça que anseia por uma carreira jornalística provàvelmente começou como editor do jornal da escola secundária ou na universidade. Deve ter escrito e feito reportagens durante muito tempo antes de ter obtido qualquer treinamento formal. Pelas alturas da época em que atinge a idade para entrar na universidade, deve saber se deseja realmente fazer carreira no jornalismo. Em caso afirmativo, deve planejar seus estudos de modo a obter o fundo cultural mais vasto possível. A maioria dos editôres de jornal prefere atualmente contratar candidatos com extensa educação em humanidades, com ênfase especial em Inglês, História, e Ciências Sociais. Outros preferem contratar diretamente os estudantes nas escolas de jornalismo, que proporcionam treinamento especializado nas técnicas da reportagem. Enquanto está na universidade, o repórter aspirante deve procurar obter tanta experiência de redação e correção de textos quanto possível, seja no jornal, seja numa das revistas universitárias. Algumas faculdades e universidades exigem trabalhos nas publicações diárias ou semanais como parte dos cursos de jornalismo. Em outros, êsse trabalho é opcional. A coisa mais importante que o repórter em perspectiva deve compreender, no entanto, é que o mero fato de ter trabalhado em um jornal da faculdade não o qualifica para o cargo em um grande jornal metropolitano. Até mesmo o senso de notícias e uma vasta educação não constituem garantias de se obter ou ter êxito em um emprêgo no jornal.

A maior frustração de um môço formado em escola de jornalismo e que procura emprêgo é ouvir: “Volte quando tiver experiência prática.” Onde poderá o candidato, depois de pelo menos quatro anos de estudo, obter essa “experiência prática”? Pode tentar um jornal semanário local, um dos numerosos jornais de circulação limitada à vizinhança, que, nos Estados Unidos, contém principalmente matéria social e anúncios, ou tentar um emprêgo de relações públicas em uma firma comercial, na qual seja responsável pela publicação do “órgão da casa”, ou seja, uma publicação dirigida aos empregados da organização.

Mas o fato é que muitos jornalistas bem sucedidos, homens e mulheres, não fizeram nada disso. Foram contratados simplesmente porque recusaram-se a aceitar o “não” do patrão – mas isto sem se mostrarem grosseiros nem importunos. Com persistência e firmeza, pediram repetidamente o emprêgo ao chefe de redação. Ofereceram-se para fazer qualquer trabalho, apenas para ter oportunidade de mostrar o valor. Essa perseverança obstinada, se manifestada com completo autocontrôle, reflete determinação, tenacidade e iniciativa – mais três requisitos do bom repórter. Em numerosas ocasiões, impressionado com a dedicação do jovem candidato, o chefe de redação lhe deu uma oportunidade.

A cobertura do “setor policial” constitui o jardim-de-infância para a maioria dos repórteres. Fazendo a cobertura das delegacias, o jovem aprende a identificar fatos e utilizá-los. Começa por aprender o que são fatos – e não opiniões e meias-verdades. Pouco a pouco, desenvolve personalidade, responsabilidade e técnica. E, o que talvez seja a mais rude das lições, aprende que coisa complexa, e freqüentemente desagradável, é a própria vida. Trabalhando nas delegacias, o “foca” enfrenta rotina e trabalho maçante no esfôrço para conseguir pequenos itens de notícia. Aprende algo sôbre prostitutas, ladrões, assassinos e toxicômanos. Aprende a extrair com lisonja informação de um taciturno policial ou bombeiro, a persuadir parentes abatidos pela dor a emprestar fotografias ou revelar detalhes sôbre as vidas de pessoas queridas que foram mortos ou feridas. Através dessas olhadas de relance à vida, o “foca” gradualmente domina a técnica e a rotina da coleta de notícias. Aprenda a pesquisar o livro de ocorrências na delegacia, o controlar diligências determinadas pelo escritório dos detectives, a observar e conferir tôdas as chamadas policiais e a “fazer a praça” – telefonando a uma lista selecionada de hospitais, ao necrotério, à cadeia, à polícia suburbana e aos quartéis de bombeiros.

Depois de mais ou menos dezoito meses no “setor policial”, êle desenvolve o senso de notícia e a capacidade de redigi-la. Aprendeu os pontos fundamentais de exatidão, especialmente no que tange à maneira correta de grafar nomes e endereços. Descobriu que o menor êrro pode resultar em uma ação por crime de calúnia contra o jornal, de modo que recusa aceitar a palavra de outros, e comprova pessoalmente todos os fatos. Em caso de dúvida, sabe que deve conferir os registros oficiais. Arrancar fatos de indivíduos que freqüentemente se recusam a fornecê-los constitui atividade exasperante, mas ensina paciência, perseverança, tenacidade e diligência ao jovem repórter.

Aprende êle que a regra número um do bom repórter é sempre suspeitar o pior. Isto talvez pareça uma atitude cínica, mas os repórteres policiais deparam-se tão freqüentemente com a fraqueza humana que aprendem a esperá-la. Aprende ainda que a maioria das pessoas gosta de manter sua vida privada e que aquêles que parecem ansiosos para aparecer nos jornais freqüentemente têm motivos ulteriores. Reciprocamente, aprende que quando alguém tenta suprimir uma notícia sem razão legítima deve redobrar seus esforços para descobrir por quê. Convertendo-se cada vez mais em juiz da natureza humana, suspeita logo quando a pessoa oculta a verdade. Torna-se diplomata, dotado de senso de humor, e homem compassivo que trata os inferiores intelectuais ou sociais como sêres humanos. Ainda assim, jamais se envolve emocionalmente com êles e jamais esquece que são, principalmente, fontes potenciais de notícias.

Indubitàvelmente, a lição mais importante que o jovem repórter pode aprender no seu treinamento inicial é o á-bê-cê do trabalho jornalístico, o “quem”, o “quê”, o “onde”, o “como”, e o “por quê” da notícia. O repórter principiante, tendo-se tornado sensível ao “por quê”, aprende também que dêle se espera que responda apenas às perguntas provocadas pela notícia, e não que as comente. A sua missão é de imparcialidade.

Por essa altura, êle começa também a aprender a fazer amigos e, através dêles, a ouvir, a memorizar detalhes, a fazer as perguntas oportunas, apresentar sem preconceitos as respostas, a entrelaçar fios aparentemente isolados, a ser persistente sem ser agressivo, e a ser diplomata sem ser servil.

Se aprende êsses rudimentos, está pronto para o que o jornal considera as grandes missões de reportagem.

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