Por quê? (384) – Adeus, Mestre Irigino Camargo
Cláudio Amaral
Coloquei o telefone no
gancho e encostei-me na parede de alvenaria coberta por uma folha de lambri
furadinho que havia no lado esquerdo da mesa que eu ocupava na Redação do
Jornal do Comércio de Marília.
Era algo como 7 horas da
noite e o dono jornal, Mestre Irigino Camargo, que havia saído pontualmente às
6 horas da tarde para tomar banho e jantar na casa dele e de dona Zezé, estava
chegando de volta para conferir a impressão do JC.
A rotina dele era britânica:
chegava ao jornal às 7 horas da manhã, fechava às 11 horas, almoçava em casa a
comida de dona Zezé ou da mãe dela, voltava ao meio-dia e saia para o jantar às
6 horas da tarde, quando deixava a edição do dia seguinte fechadinha.
Às 7 horas da noite ele
voltava, enfiava a cabeça numa portinhola que lhe permitia ver a área de
impressão e falava ou com Armindão (Armindo
Travagim), o chefe da oficina, ou com o Negão, que operava a máquina que recebia
papel em branco de um lado e cuspia o jornal impresso do outro, uma rotoplana.
Na época, o JC imprimia
oito páginas por edição de terça-feira a sábado e dez ou 12 páginas para o
domingo.
A composição era a frio e na unha, ou seja, letrinha por letrinha,
linha por linha, texto por texto. O Correio de Marília, o pioneiro e onde
trabalhava quase que a família toda da minha futura esposa, Sueli, tinha
linotipo e, assim, a composição era a
quente.
Ao final da impressão, a
equipe de manipulação do JC entrava em ação e juntava as páginas que haviam
recebido tinta preta (usada na grande maioria do espaço) e tinta vermelha (nos
cabeçalhos da primeira e da última páginas). Essa cor, única na imprensa de
Marília e região, fazia a diferença a favor do JC.
Antes do amanhecer o Jornal
do Comércio estava pronto para ir às ruas e a turma do Barbudão saia de casa em casa, banca em banca, com a missão de
levar aos leitores aquilo que a Redação, a Publicidade (comandada por meu Amigo
e futuro padrinho de casamento Luiz Carlos Buscariolo Calegari) e a Oficina
haviam produzido.
Eu ainda me refazia da
notícia a respeito do meu teste de fogo em Bauru e da esperada, ansiosamente,
transferência para a sucursal de Campinas, quando ouvi o ranger da porta se
abrindo e os passos do dono do JC.
Ele percebeu que eu ainda
estava ali, embora não tivesse mais o que fazer pela edição do dia seguinte, e
veio em minha direção. Respirei fundo e disse:
- Mestre, o Estadão me
convidou para ir para a sucursal de Campinas. O que o Sr. me diz disso?
Falei e me encostei
novamente na parede em busca de apoio. Eu temia, sinceramente, que ele pudesse
me dizer não, novamente, como fizera quando o Estadão me convidou para passar
uma semana em Ilha Solteira, apurando informações e entrevistando moradores e
operários para uma reportagem especial.
Graças a Deus a resposta
foi bem diferente:
- Se você me disser que
vai recusar a proposta do Estadão, apanha agora.
Dito isso, rimos e nos
abraçamos como nunca havíamos feito.
Para mim, estava provado e
comprovado que Mestre Irigino Camargo queria o meu bem e mais nada. Afinal, ele
havia me contratado como correspondente em Adamantina, a 100 quilômetros de
Marília, onde fiz minha primeira reportagem, no dia 1º de Maio de 1968; me
levou para Marília e me deu emprego como repórter a partir de 6 de Janeiro de
1969; me ensinou tudo o que um principiante, mais conhecido como foca, precisava saber; deixou o jornal
inteirinho nas minhas mãos por diversas vezes, sempre quando tinha que viajar
para São Paulo; me impôs como correspondente do Estadão ao Jornalista Stipp
Júnior; me deu tempo e espaço para escrever para o Estadão e ameaçou me bater
caso eu não aceitasse seguir carreira no então maior jornal diário do Brasil. O
que eu queria mais?
Fiquei mais uma semana no JC
de Marília, fui a Bauru para a cobertura dos Jogos Abertos do Interior de 1970,
sob as ordens de chefes como Ludenbergue Góes, Luiz Carlos Ramos, Clóvis Rossi,
Ricardo Kotscho e Raul Bastos. E em seguida me mudei para Campinas, de onde,
seis meses depois, fui trabalhar na sede do jornal O Estado de S. Paulo, na
Capital paulista.
Por quê?
Ah... e você ainda pergunta por que, caro e-leitor?
Ah... e você ainda pergunta por que, caro e-leitor?
(*) Cláudio Amaral (clamaral@uol.com.br) é autor dos livros Um lenço, um folheto e a roupa do corpo (2016) e Por quê? Crônicas de um questionador (2017). É Jornalista desde 01/05/1968, Mestre em Jornalismo para Editores pelo IICS/SP (2003) e Biógrafo pela FMU/Faculdade de História/SP (2013/2015).
26/07/2019
18:22:26 (pelo horário de Brasília)
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