O TECLADO QUE NÃO TINHA A LETRA ‘O’



Luiz Roberto de Souza Queiroz (*)

Foca recém-chegado no final da década de 60, um companheiro (que hoje já partiu) recebeu como missão me acompanhar numa entrevista. Devia escrever seu texto e comparar com o meu que, com quatro anos de jornal, era considerado veterano.

Era assim que se ensinava jornalismo.

O entrevistado, sapateiro italiano, viera expor suas ‘obras de arte’ calçáveis e tudo correu bem.

Voltamos ao jornal, indiquei uma máquina para o foquinha, escrevi a matéria e esperei o foca, que não terminava nunca.

Quando fui à mesa dele, explicou que estava demorando ‘porque essa máquina não tem a letra O’.

Assim, cada ‘O’ que precisava teclar ele tirava a lauda, escrevia o ‘O’ à mão e voltava a pôr o papel na máquina.

É claro que havia o ‘O’, mas na oficina o consertador de máquinas tinha substituído a tecla que caíra por uma tecla com o ‘W’ gravado.

Para quem dominava o teclado não havia problema... a não ser para o foca.

Já com vários repórteres rindo, perguntei ao foca por que não trocara de máquina por outra com o ‘O’.

Ele olhou a redação, já vazia, e perguntou: “trocar com quem, não tem ninguém escrevendo....”

Passados uns dias o Leônidas, saudoso contínuo da recepção, recebeu mais um ‘inventor maluco’, figura comum na redação da Major Quedinho.

O carinha explicou que o grande problema do mundo era o desperdício de alimento e a falta de energia. Por isso bolara uma maneira ultra-rápida de defumar peixe para preservá-lo e tinha certeza que os americanos queriam roubar sua ideia, motivo pelo qual decidira divulga-la no ‘Estadão’.

O problema é que a invenção não estava totalmente pronta, metade do peixe ficava perfeito, mas a outra metade podre, como se podia ver no sanduíche de sardinha semi-defumada e semi-podre que ofereceu ao repórter.

Mas era preciso divulgar a invenção mesmo incompleta, insistiu, ou os gringos levariam mais essa brilhante ideia brasileira.

Quem viveu aquela época sabe que toda semana apareciam inventores, de motores a água, de prédios pré-fabricados baratíssimos, de foguetes para ir à Lua, pois isso o repórter indicado agradeceu o sanduíche semi-podre, voltou para a redação... e colocou o sanduíche no bolso do paletó do mesmo foquinha.

O eterno chefe Moacir Castro não sabia do trote, chamou o foca (já não tão foca, com duas semanas de jornal) e o mandou ao Ibirapuera para uma cobertura.

O foca pegou o táxi, chegou ao Ibirapuera, enfiou a mão no bolso para pegar a grana... e sentiu o melado do sanduíche semi-podre (ou semi-defumado, dependendo do ponto de vista).

Com um nojo incrível não desceu do táxi, mandou o motorista dar meia-volta. Voltou à redação, exigindo que alguém tirasse o sanduiche do seu bolso.

A história se espalhou e o Moacir dizia que a matéria não foi feita “porque mandei o repórter e ele disse que o Ibirapuera não estava lá”.

Maldade do Moacir, o foca foi efetivamente ao parque, mas achou que fazer entrevista com peixe podre no bolso, isso não faria.

Meses depois, já ‘veterano’, o mesmo jornalista, já não mais foca, teve que confrontar o então presidente da Caixa Econômica, Paulo Maluf, acusado de uma falcatrua qualquer.

Chegou, acusou, falou das provas, cobrou uma resposta. No seu estilo tradicional Maluf ignorou a pergunta e disse: “Muito bom você estar aqui, pois podemos lançar um projeto para financiar casa própria para os jornalistas, o que você acha, qual o valor a Caixa deve oferecer?”

E falando dos detalhes do projeto, recomendou que levasse a proposta ao Sindicato, foi direcionando o jornalista para a porta de saída sem, é claro, qualquer resposta ao assunto da pauta.

Furioso, o ex-foquinha denunciou na redação a proposta indecorosa, esbravejou que nunca pensou que alguém tentasse comprar seu silêncio... e comprou uma briga com vários colegas que suspiraram desanimados quando o projeto inexistente da Caixa não saiu.

(*) Texto publicado originalmente na página https://www.facebook.com/groups/sou.eXtadao/ e republicado aqui com a devida autorização do Autor.

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