Um texto exemplar: leia, analise, critique e... divulgue.

O melhor de todos os textos que li no Estadão deste domingo, 13/7/2008, leva as assinaturas dos jornalistas Eduardo Nunomura e Liège Albuquerque.

Um texto que merece ser lido, analisado, criticado (se for o caso) e divulgado.

Liège, infelizmente, eu não conheço.

Eduardo Nunomura, sim, conheço de longa data. Desde o início dos anos 1990, quando ele era colaborador de Sérgio Duarte, que tinha base na sede da COMUNIC, minha empresa de Assessoria de Imprensa, que no dia 21/8/2008 completará 30 anos de atividades ininterruptas e que, desde que decidi voltar às redações, está sob o comando de Sueli Amaral, minha sócia.

Voltei a encontrar Eduardo Nunomura no Grupo Folha de S. Paulo, quando eu era gerente da AF/BD/UOL, e ele o plantonista da madrugada, na Agência Folha.

Depois disso, eu fui para o Jornal do Brasil, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, fiz o Master em Jornalismo para Editores pela Universidade de Navarra, Espanha, aqui em São Paulo, fui diretor de Redação de O Estado de MS, o segundo maior jornal de Mato Grosso do Sul, com sede em Campo Grande, e orientador de novos jornalistas no Comércio da Franca, em Franca (SP).

Eduardo Nunomura, por sua vez, foi repórter na Veja e agora no Estadão. Sempre que possível, repórter, porque a praia dele é a reportagem, a rua.

Toda vez que vejo um texto assinado por ele, leio do começo ao fim, porque a assinatura de Eduardo Nunomura é garantia de material de qualidade, tanto na apuração, quanto na edição, passando pelas palavras, frases, parágrafos..., enfim, é texto de primeira.

Com esse de domingo não poderia ter sido diferente.

Portanto, leia e depois me diga se tenho ou não razão.

Cláudio Amaral

14/7/2008 14:58:54


''É um velório eterno'', diz mãe

A dor das famílias de vítimas cujos corpos não foram encontrados

Eduardo Nunomura e Liège Albuquerque

“Para que eu quero um pedaço dele?”, perguntou-se, um dia, Eliane Mello. “Vou ter ele inteiro na minha memória, no meu coração. Mas, infelizmente, você tem de velar essa pessoa para fechar um ciclo. Eu não fechei.” É assim desde o acidente do vôo 3054 da TAM, quando ela perdeu o marido, o consultor de Marketing Andrei François Mello. Dentre as 199 vítimas, quatro corpos não foram identificados. Andrei foi um deles. “É um velório eterno.”

Há um ano, a chef Lili Mello, como é mais conhecida, sonha com seu marido ligando e ela dizendo: “Aparece, vem para casa que estou te esperando.” Em 17 de julho do ano passado, ela ligou inúmeras vezes para o celular de Andrei, depois que viu as imagens na tevê do Airbus A320 queimando. Só à meia-noite daquele dia alguém da TAM ligou e comunicou o óbito. Nos quatro meses seguintes, ela não saiu de casa, mergulhou na depressão e quase foi internada à força.

Casados havia 16 anos, depois de um namoro de 3, a união se fortaleceu com a mudança para São Paulo, distante dos parentes. Tinham muitos projetos, como ter filhos - um mês antes do acidente, souberam que a fertilização in vitro que tentaram não dera certo. "Isso tudo foi tirado de mim. Fiquei sem chão. A ferida está muito aberta. Ela vai fechar, mas a cicatriz vai ficar muito grande", diz Lili, de 40 anos.

A terapia tem ajudado - muitos parentes das vítimas têm ajuda psicológica, bancada pela TAM. Hoje, Lili agradece a Deus por conseguir sentar numa mesa, sozinha, e suportar o fato de não ter com quem dividir uma xícara de café. A chef pensa muito no marido para seguir em frente. Decidida a fazer algo que lembrasse a vida de Andrei e das outras vítimas, assumiu a comissão dos familiares em prol da construção de um memorial no local do acidente.

Lili se tornou revoltada. E o ódio que sente das autoridades só aumenta. "Esse acidente é um assassinato, poderia ter sido evitado, 199 pessoas morreram por negligência, corrupção, falta de preparo, falta de pessoas capacitadas para gerenciar um aeroporto." Ela não poupa ninguém: Lula ("diz que sente pena, mas não hasteou nenhuma bandeira"), Marta Suplicy ("falando para a gente relaxar?"), Marco Aurélio Garcia ("fazia gestos obscenos enquanto meu marido estava sendo queimado"), Nelson Jobim ("foi para a selva amazônica matar cobra"), Milton Zuanazzi ("foi convocado e não depôs até hoje"), Denise Abreu ("também não depôs"), o perito da pista de Congonhas ("como disse que a pista estava em perfeitas condições?") e o Senado ("mandaram uma carta de solidariedade quatro meses depois").

A família da comissária de bordo Michelle Rodrigues Leite espera até hoje uma atitude respeitosa da TAM. Uma ligação da presidência da empresa já ajudaria. "Ninguém veio a mim para dizer: ?Michelle era nossa funcionária, nos sentimos sensibilizados?. Não, nosso único contato foi com uma assistente social contratada por eles", reclama a professora Marcia Aparecida Soares, de 45 anos. O corpo da filha, fisioterapeuta que decidiu arriscar no ramo da aviação, também não foi localizado.

Na semana passada, Marcia descansou alguns dias em Fortaleza, para recuperar forças para os próximos dias, quando comparecerá às homenagens de um ano do acidente. Mas confessa estar um caco, como se a tragédia tivesse ocorrido ontem. "Estaria mais confortada se ela estivesse sentada, sem ver o que se passava. Mas ela viu tudo." A caixa-preta registrou um grito de voz feminina, a última fala de alguém vivo na cabine. Era de sua filha, Marcia tem certeza. Peritos do IML vasculharam os fragmentos não-identificados e compararam com o mapa de assentos. Michelle não estava em seu lugar.

Nos 50 dias depois do acidente, Marcia e a irmã, Mara, iam diariamente ao IML. Quando voltavam, a mãe tomava calmantes para poder estar de pé no dia seguinte. Revoltou-se com a implosão do local do acidente. "Foi um desrespeito, como se dissessem que nossos filhos eram lixo. Ninguém nos falou que poderia haver mais pessoas nos escombros." A família queria ter o direito de sepultar Michelle. "Foi um choque nacional, mas, hoje, a tragédia está mais distante. Para nós, tem sido um ano de sofrimento, só esperando que alguém nos diga o que aconteceu naquele avião." Marcia moveu ação contra a TAM e perdeu o direito a passagens que a empresa dava aos parentes das vítimas, segundo termo de compromisso acordado entre a companhia e o Ministério Público Estadual.

No dia do acidente, Michelle havia ligado para o namorado, piloto, para dizer que não voaria mais no 3054. Havia um problema na aeronave. E esse recado foi o fio de esperança de que ela não estivesse morta. Mas a família soube que a troca do avião não havia sido autorizada, embora a TAM até hoje negue. Iniciou-se uma jornada da família rumo à depressão. A avó de Michelle confessou que viver não faz mais sentido. A filha Natalie não suportou trabalhar no check-in da Gol. Foi transferida, depois, demitida. Marcia emagreceu dez quilos, não conseguia comer, ameaçaram interná-la. Há quatro meses, mudou-se de casa, desfez-se das últimas coisas dela. Parou de tomar antidepressivos há dois meses. "Fomos mutilados."

49 DIAS ACORDADO

É mergulhado no trabalho que vive, em Manaus, o advogado Ildercler Ponce de Leão, de 47 anos, desde que assistiu à morte da mulher, Jamile, de 21, e do filho Levy, de 1 ano e 8 meses. Ele esperava em Congonhas quando viu o avião se chocar com o depósito da TAM. "Passei 49 dias sem dormir, esperando a identificação e liberação dos corpos."

Leão enterrou a mulher, mas providenciou um enterro simbólico para o filho, já que não encontraram seu corpo.

(Transcrito do Estadão de domingo, 13/7/2008)

Comentários

Unknown disse…
Excelente reportagem. Isso apenas mostra o "caos" que aviação e a politicagem atravessa no Brasil. Em resumo, não há nenhuma credibilidade.

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