A arte do futebol brasileiro a perigo


Sérgio Leitão
Jornalista
Especial para o Blogue Aos Estudantes de Jornalismo

O maior embaixador do Brasil nas últimas décadas, não resta dúvida, tem sido o futebol, por conta de sua arte, que arrebatou corações e mentes de expectadores estrangeiros mundo afora. A consagração teve início na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, quando o Brasil, liderado por gente de talento como mestres Didi e Nilton Santos e, principalmente, pela genialidade de Garrincha e de Pelé, então apenas um moleque travesso de 17 anos, conquistou seu primeiro título mundial.

Não foi à toa que partiu dos franceses a idéia de eleger Pelé como “Le roi du football” (o rei do futebol), o que viria acontecer no ano seguinte, em 1959. A admiração dos críticos estrangeiros pela arte de jogar futebol dos brasileiros foi crescendo, a ponto de Pelé ter se tornado uma celebridade mundial, desbancando em popularidade astros de Hollywood como Marlon Brando, James Dean, Elizabeth Taylor, Frank Sinatra. Fora dos Estados Unidos, Pelé tornou-se até mais conhecido que o presidente americano. Verdade! Talvez somente a figura do Papa fizesse frente à fama do nosso “rei”.

Faço esta introdução por lamentar que todas essas conquistas e maravilhosas jornadas apresentadas pelos nossos briosos craques ao longo dos anos possam estar a perigo. E tudo isso, na minha opinião, se deve ao fato de a seleção de 1982, com mestre Telê Santana de técnico e monstros sagrados como Zico, Falcão, Sócrates, Júnior e outros ter deixado escapar o caneco, enquanto a seleção de 1994, com um futebol pobre de talento, e jogando de uma forma burocrática e excessivamente defensiva, ganhou o tetra, comandada pelos talentos diferenciados de Bebeto e, principalmente, Romário. Que crueldade do destino!

Nos anos 60 e 70, jogar pela seleção era um privilégio reservado a poucos. Não precisa dizer mais nada: craques como o divino Ademir da Guia e o mineirinho Dirceu Lopes poucas chances tiveram na seleção canarinha. Até Rivelino, um dos maiores craques da história, teve que se contentar com uma vaga na ponta-esquerda, no time campeão de 70, já que a posição no meio-campo já tinha Gerson como titular absoluto. Não que houvesse injustiça, mas sim porque o excesso de opções de que dispunha o técnico era de um montante tal que se dizia que o Brasil era o único país em condições de convocar cinco ou seis seleções suficientemente fortes para lutar pelo título.

De uns tempos para cá, a começar pelo aprendiz de técnico da seleção, Dunga, que no seu tempo de jogador parecia atuar usando luvas de boxe, o que mais ouvimos são declarações do tipo, “não importa jogar feio, o que vale são os três pontos, a vitória”. Só que, principalmente em partidas amistosas, o aficionado do bom futebol paga ingresso exatamente para assistir a um espetáculo diferenciado, aquele do tipo que, em tempos passados, só as equipes brasileiras eram capazes de oferecer.

Tudo bem se esta opinião de Dunga, a de ganhar o jogo não importa de que forma, for compartilhada pelo técnico e os jogadores de uma Venezuela, uma Bolívia, ou até mesmo do Vietnã, por sinal um dos adversários escolhidos a dedo pela CBF para fazer um amistoso de preparação da seleção que foi a Pequim. Já nas Olimpíadas, o público chinês, ávido para se deliciar com a arte do futebol brasileiro, decepcionado, passou a vaiar nossos jogadores, que pouco ou nada mostraram que justificassem a fama de reis da bola.

A derrota do time de Telê naquele fatídico dia 5 de julho, no Estádio Sarriá, em Barcelona, na Copa de 1982, deixou órfão os amantes do futebol-arte. Não foi à toa que o meio-campista italiano Tardelli confessou numa entrevista após a partida: “Se jogarmos dez vezes contra este time do Brasil, possivelmente perderemos oito, empataremos uma e venceremos apenas uma.

Ainda bem que o dia da vitória foi hoje”. Já o ex-zagueiro Rudi Krol, capitão do time da Holanda na Copa de 1978, na Argentina, opinava que quem perdera com a derrota, e conseqüentemente com a eliminação do Brasil, fora o próprio futebol.

E como a imprensa mundial, em geral, encarou a desclassificação do Brasil, na Copa de 82, na Espanha? A gente podia notar no semblante de amantes da arte, como o jornalista inglês Brian Glanville, um dos mais renomados comentaristas de futebol da imprensa britânica, que, abertamente, todos, exceto os italianos, é claro, lamentavam a má sorte da equipe brasileira, que perdeu tudo em uma única partida. Aliás, a maior prova do respeito que a imprensa estrangeira tinha pelo time brasileiro aconteceu quando, ao chegar à sala de entrevistas pós-jogo, nosso técnico, professor Telê Santana, foi recebido por todos com uma salva de palmas, e de pé.

A verdade é que uma competição rápida como a Copa do Mundo pode ser cruel às melhores equipes. A Copa de 1982 foi um bom exemplo disso. Senão vejamos: a Alemanha, que perdeu para a Argélia na primeira rodada de seu grupo, fez uma notória “marmelada” com a Áustria, ganhando de 1-0 e se classificando à próxima etapa, juntamente com a própria Áustria. A Itália, por sua vez, empatou seus três jogos da primeira fase (Polônia, Peru e Camarões) e, na segunda fase, contra Argentina e Brasil, foi beneficiada pelas datas de seus jogos. Os italianos, de cara, pegaram a Argentina, vencendo por 2 a 1. Isto numa segunda-feira. Como perdedor do jogo, a Argentina jogou quatro dias depois, na sexta-feira, contra o Brasil. Perdeu de 3 a 1, mas fez questão de deixar um saldo de baixas no lado do eterno rival. Assim é que, para o jogo decisivo de três dias depois, contra a Itália, Zico passou o fim de semana em tratamento intensivo, chegando a entrar em campo no sacrifício, enquanto o volante Batista sequer pôde ficar no banco de reservas, contundido após ter sido agredido covardemente pelo craque argentino Diego Maradona, que até foi expulso.

Assim, o Brasil, que vencera seus três jogos do grupo na primeira fase (União Soviética, Nova Zelândia e Escócia), levava contra os italianos apenas a vantagem do empate. Como no jogo (quase) tudo saiu errado, o Brasil perdeu de 3 a 2 e caiu fora. Enquanto isso, a Alemanha, a que fizera “marmelada” na fase anterior, acabou passando à frente e, com uma vitória nos pênaltis sobre a França, foi premiada com uma imerecida presença na final. Como sabemos todos, deu Itália, 3 a 1, com arbitragem do brasileiro Arnaldo Cezar Coelho.

Lei Pelé, um crime contra os clubes - Hoje em dia, com a famigerada Lei Pelé, os empresários dão as cartas no futebol profissional. Difícil a qualquer jogador permanecer vestindo a camisa de um mesmo clube durante pelo menos duas temporadas. A ânsia mercantilista dos empresários cada vez mais deixa os clubes órfãos de seus principais atletas e, em alguns casos, se vêem obrigados a se desfazer de revelações mal saídas do time infanto-juvenil. O caso do atacante Alexandre Pato é um claro exemplo disso.

Sei que posso parecer saudosista, aliás, confesso que sou, mas será que mereço ser criticado por querer ver os velhos tempos de volta, os tempos em que alguns ídolos faziam uma brilhante carreira numa só equipe, casos, por exemplo, do Roberto Dias, no São Paulo; do Altair, no Fluminense; do Carlinhos, meio-campo do Flamengo nos anos 60 e 70; e do Pepe, do Santos, entre outros?

Pois é, gente, será que além de saudosista sou um tolo? Não importa, o fato é que quero de volta o verdadeiro futebol brasileiro, em que prevalecia a arte de se jogar bola. Estarei sendo excessivamente ingênuo, será que não tem volta?

Pelo jeito, não há saída. E, ao meu ver, nós, da imprensa, temos alguma coisa a ver com isso. Por exemplo: quando um árbitro resolve dar acréscimo de cinco minutos, não importa o que tenha ocorrido no jogo, o locutor e o comentarista são os primeiros a chiar, afirmando que o árbitro exagerou na dose. Só que, quando se preocupam em marcar quantos minutos de bola em jogo houve na partida, vê-se que, em vez de 90 minutos, foram jogados, no máximo, 60 minutos. E quem perde com isso é o torcedor, que paga para ver, supostamente, dois tempos de 45 minutos cada.

Posso parecer cricri, mas por mim os velhinhos da International Board da FIFA (que coisa pomposa!) precisam rever seus conceitos, tornar o futebol mais dinâmico. Para começar, por que não estabelecer dois tempos de 35 minutos cada, no cronômetro? Será que é pedir demais? Temos aí lições dadas pelo tênis, o voleibol e até o futsal, que demonstram como pequenas mudanças podem transformar o espetáculo... para melhor.

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