Olimpíadas - a ladainha de sempre


Por Sérgio Leitão
Especial para o Blogue Aos Estudantes de Jornalismo


Feito o balanço dos Jogos Olímpicos de Pequim, eis que nossos dirigentes voltam pra casa “comemorando” o grande feito - “crescemos 50 por cento em relação há quatro anos, quando havíamos conquistado dez medalhas”. Pois é, desta vez foram quinze. Volta a ladainha de sempre. Agora pergunto: comemorar o quê, cara pálida? Me engana que eu gosto! O pior é que, infelizmente, parte da nossa imprensa, ufanista ao extremo, também colabora para este ato cínico, qual seja o de comemorar essa merreca. Não por culpa dos abnegados atletas, é bom que se frise, pois fazem o que é possível, dentro das condições limitadas que, na maioria dos casos, lhes são oferecidas.

Segundo uma matéria de capa do jornal O Globo (dia 24 de agosto), cada medalha conquistada saiu por cerca de 53 milhões de reais. E o COB pede mais verba; e, ao que parece, o Governo pretende dar. Que fazer?

Gente, quando será que vamos parar de apregoar que somos um país em desenvolvimento e, efetivamente, mostrar que somos verdadeiramente fortes, apresentando números mais expressivos, pelo menos no esporte? Enviamos 277 atletas, muitos dos quais ganharam a vaga na raça, sem qualquer apoio governamental ou das federações que representaram. Estão aí como símbolos desta dramática realidade os casos dos judocas Eduardo Santos e Ketleyn Quadros. O primeiro comoveu a nós todos ao pedir perdão aos pais por não ter conquistado uma medalha. Ora, ora, ele fez o que foi possível, pois carecia até de uma importância em dinheiro para que conseguisse arcar com sua passagem de faixa. Diante do seu valor pessoal como atleta, a sua federação resolveu abrir mão da cobrança dessa taxa exorbitante.

Naquele choro sincero que nos emocionou a todos, Eduardo, em linha com o lema olímpico criado pelo Barão de Coubertin, qual seja, o de que o “importante é competir”, mostrou-se digno de um campeão, medalha de ouro, pois só ele pode mensurar o fardo por que passou até que ganhasse a vaga na equipe que foi à China.

Os dirigentes alardeiam o fato de a delegação brasileira ter crescido bem, em número de atletas. De que adianta quantidade? Melhor, e isto já está comprovado, fazem alguns países do Caribe e da África, que mandam equipes enxutas, quase certas de que vão render frutos, em termos de medalha. O tamanho da delegação só se justifica se um trabalho de base for feito, ao longo de anos e anos a fio. Do contrário, vamos repetir sempre (quase) os mesmos candidatos a medalha, que saem de modalidades esportivas mais estruturadas, que poucos recursos recebem do governo.

Embora jornalista a vida inteira, no fim da década de 70 e até meados dos anos 80, passei por uma experiência como “cartola”. Fui contratado por uma grande empresa (Coca-Cola) para gerenciar um programa de desenvolvimento olímpico, no atletismo. Deste programa, após duas massificações em todo o território nacional, nas quais foram testados mais de 200 mil jovens - meninos e meninas entre 11 e 18 anos, que obrigatoriamente, ainda não fossem federados -, surgiram fenômenos como o Joaquim Cruz, o Robson Caetano e o decatleta Pedro Ferreira da Silva Filho, este último campeão Pan-Americano de 1991, em Havana, Cuba, entre outros. O fato é que sem medo de errar, eu diria que se tivessem mantido o projeto em todo o país, o Brasil teria hoje uma equipe de ponta no atletismo, em condições de fazer frente aos astros americanos, jamaicanos e africanos.

Talento, como bem disse o norte-americano Bill Toomey, campeão do Decatlo nas Olimpíadas da Cidade do México em 1968, é o que não faltava. Toomey, que atuava como consultor técnico do programa, ficou impressionado quando viu uma pequena garota de 12 anos, de Natal, Rio Grande do Norte, a Júlia Márcia, registrar 1 metro, 55 centímetros no salto em altura.

Infelizmente, mais por causa da brigalhada entre os dirigentes das federações e das confederações, que, com raras exceções, só se importavam em fazer política, a grande empresa resolveu tirar o seu time de campo no fim do ano de 1983, ou seja, optou por apoiar outros projetos institucionais. Uma pena, pois menos de oito meses depois, ns Jogos Olímpicos de Los Angeles, Joaquim Cruz abalaria o mundo do atletismo, ao conquistar o ouro na prova de 800 metros, vencendo ninguém mais do que o britânico Sebastian Coe, recordista mundial, batendo o recorde olímpico - 1m43s00.

Por isso, digo que, em vez de estar celebrando essas poucas medalhas, os nossos cartolas deveriam, por exemplo, colocar-se em posição mais humilde, procurando seguir aquilo que é bem planejado, por exemplo, os projetos desenvolvidos pela turma do voleibol que, não à toa, se firma cada vez mais como o segundo esporte predileto dos brasileiros.

Vejam, por exemplo, o basquetebol, que se esvaiu por causa de sucessivas más administrações dos seus cartolas, e o tênis, que sequer aproveitou a grande fase do catarinense Gustavo Kuerten. Hoje, só nos resta ver com tristeza os nomes de diversos tenistas argentinos incluídos entre os 20 maiores do mundo.

Já está na hora de parar de iludir o torcedor, faturando medalhas em campeonatos sul-americanos ou mesmo nos Jogos Pan-Americanos, cujos principais países se fazem representar pela turma de segunda linha.

Em resumo, em vez de estarmos comemorando, deveríamos, isto sim, arranjar um jeito de nos impormos junto a países como Jamaica e Canadá, este último um país com 30 milhões de habitantes, onde faz frio oito meses por ano. Preocupar-se em derrubar a Argentina, que pobreza de espírito! Para sediar os Jogos Olímpicos no Brasil, nossos dirigentes precisam mudar os seus conceitos, começando desde já os trabalhos de massificação dos esportes. Para isso, uma providência imediata seria reabrir os elefantes brancos que foram construídos para realizar os Jogos Pan-Americanos, em 2007, no Rio de Janeiro. Alguns deles já estão criando teias de aranha, por falta de atividade. Quando é que nossos governantes vão se convencer que o esporte é a principal solução para diminuir a violência urbana? Um menino que se integra ao esporte traça um novo rumo para sua vida e a de sua família. Dá-lhe o prazer de sonhar.

No mais, sinto pena do jovem campeão César Cielo. Digo isso porque, no Brasil, pobre de quem chega lá uma vez, porque a cobrança nas competições seguintes passa a ser escabrosa. Como bem confessou o grande campeão nadador russo Alexander Popov, “mais difícil do que chegar ao topo é manter-se no topo, porque as cobranças virão de todo lado”. E no Brasil, sabemos nós, um campeão é obrigado a “matar” um leão por dia, do contrário logo, logo será tachado de “mascarado”, “amarelão”. Enfim este é mais um drama que persegue um país sem política esportiva.

SÉRGIO LEITÃO
Jornalista há 43 anos, cobriu quatro Copas do Mundo de Futebol; os Jogos Olímpicos de Munique, Alemanha-1972; e os Jogos Pan-Americanos de Cáli (Colômbia-1971 e Cidade do México (1975), entre outros, além de ter atuado como gerente de atividades esportivas da Coca-Cola Brasil, que lançou o Pentatlo Nacional, programa de desenvolvimento olímpico.

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