PROFISSÃO: REPÓRTER


Celso Lungaretti
Especial para o Blogue Aos Estudantes de Jornalismo

Campanhas eleitorais não me trazem boas lembranças, como jornalista.

Para começar, teve uma vez em que fui escalado pelo Estadão para ouvir o último colocado numa eleição para governador em que havia uns 15 candidatos. Se bem me lembro, o coitado não obteve nem 5 mil votos. Foi como ir a um enterro e entrevistar... o defunto.

Mas, pior mesmo é que se trata de uma fase de ocultamento da notícia, para atender a interesses dos poderosos.

Caso da vez em que fui cobrir uma negociação entre o sindicatos dos trabalhadores de uma estatal e a administração.

No intervalo, bati um papo com os sindicalistas e eles me entregaram prova de um crime eleitoral: a empresa admitira funcionários no período em que não podia mais fazê-lo por causa da proximidade das eleições, mas retroagira tais admissões a meses antes.

Estava tudo lá, preto no branco. Voltei para a redação e entreguei para o editor. Nada foi publicado, nem me devolveram aquele material extra que obtive graças às minhas habilidades, embora a pauta fosse outra.

Explicaram-me que não convinha ao jornal desgastar a administração estadual às vésperas do pleito. A missão da imprensa parecia não importar absolutamente nada para aquela gente.

Noutra ocasião, fui escalado para cobrir uma tentativa de greve geral que a CUT convocou. Coube-me o período da manhã, na região de Santo Amaro (zona sul paulistana).

Falando com os sindicalistas, percebi que havia um clima de confronto com a Caloi, indústria de bicicletas. Motivo: alguns deles haviam sido espancados pelos seguranças da empresa, dias atrás.

Então, os sindicalistas fizeram um arrastão de fábrica em fábrica, parando-as e incorporando trabalhadores, até que conseguiram reunir uns 5 mil. Aí foram para a porta da Caloi, pressionar.

Depois de uma hora de escaramuças, com os sindicalistas acusando a indústria de estar mantendo seus funcionários presos, houve uma negociação e a Caloi concordou que um sindicalista e um repórter entrasse para saber se os trabalhadores estavam mesmo sendo pressionados.

Um dirigente do sindicato e eu fomos os escolhidos. Quando já íamos entrar, uns 20 membros da tropa de choque da CUT invadiram o pátio da fábrica, onde não havia objetivo nenhum para eles atingirem. Queriam mesmo era provocar uma reação da Polícia Militar, enfim.

E os PMs não se fizeram de rogado: investiram com cavalarianos, espancando manifestantes (inclusive uma mulher grávida).

Os trabalhadores, por sua vez, fugiram para cima de um morro e passaram a atirar pedras. Uma passou raspando minha cabeça; pedi abrigo na viatura da rádio Excelsior e os companheiros me acolheram.

Quando voltei para a redação, fui festejado como herói. O repórter escalado para o período vespertino não se dirigira à Caloi. O jornal soubera da pancadaria, mas não imaginava que houvesse alguém da casa lá. Eu estendi meu horário por iniciativa própria, pois meu turno terminara três horas antes da encrenca.

Recebi tapinhas nas costas, conglatulações. E o editor me pediu logo 50 linhas. Pelo sim, pelo não, fiz 60.

No dia seguinte, abri o Estadão... e só havia sido publicado o abre da minha matéria, míseras 8 linhas! E a explicação do editor foi praticamente a mesma da outra vez: meu texto ia sair completo, mas, no final da jornada, o diretor de redação mandou cortar, porque não interessava ao jornal municiar os adversários do Governo do Estado e favorecer o PT.

Ou seja, trabalhei o dobro do que deveria e arrisquei-me a apanhar as sobras daquela batalha campal... para nada. Poderia ter feito aquele abre sem sequer haver estado lá. O restante da matéria, sim, traduzia as impressões de quem havia testemunhado os acontecimentos e até deles participado, mas fora para o lixo!

Por essas e outras, os jornalistas da minha época queriam mesmo era saírem logo da reportagem e passarem a redatores -- ou seja, a burocratas de redação, que elocubram sobre o que não viram.

Eu não pude escapar a esse destino, mas nunca o procurei. Pelo contrário, voltei para as ruas sempre que pude. É nelas que a notícia mora, não nos gabinetes do poder.

Celso Lungaretti, 57 anos, é jornalista e escritor. Mantém os blogs O Rebate, em que disponibiliza textos destinados a público mais amplo; e Náufrago da Utopia, no qual comenta os últimos acontecimentos.
http://celsolungaretti-orebate.blogspot.com/
http://naufrago-da-utopia.blogspot.com/

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