10 livros de jornalismo

Tais Laporta

Indicar livros é sempre uma tarefa arbitrária. Ainda assim, uma boa orientação pode alavancar a leitura de iniciantes aventureiros. Trombei com uma pilha de títulos sobre (e de) jornalismo durante minha formação, mas poucos são inesquecíveis, de verdade. Encontrei-os como agulhas no palheiro – mas valeu a pena. As obras ruins e medianas hoje não passam de uma vaga lembrança, enquanto que as boas – as que fizeram diferença – estão impregnadas na minha vida.

Não importa se tais livros são clássicos ou meros desconhecidos, tampouco se indicados pelas faculdades de jornalismo. Na verdade, o que interessou nessa seleção é o que atingiu meu gosto pessoal. Por isso, recomendo a lista sem culpa para quem quer iniciar sua jornada por bons livros que levam à arte do jornalismo. Ficaram de fora muitas obras-primas que mereceriam destaque, mas isso se deve à limitação da lista (10) e por ainda não ter lido um décimo da infinita gama de livros já escritos na área. Tomei como critério dois fatores: os livros abaixo podem ser encarados como verdadeiras aulas de jornalismo – valem mais que dezenas de horas em sala de aula – mas devem ser consumidos por prazer, sem aquela obrigação acadêmica.

Hiroshima (1946) – O jornalista John Hersey levou 17 dias para entrevistar dezenas de sobreviventes da bomba atômica em Hiroshima (os "hibakushas") e quase dois meses para escrever. Como resultado, nasceu a reportagem que faria 300 mil exemplares da revista New Yorker desaparecerem das bancas em menos de um dia, em 31 de agosto de 1946. Hersey reconstruiu a história de seis sobreviventes, aliando uma rigorosa apuração com técnicas emprestadas da literatura – o que deu um apetite extra ao texto. A reportagem, mais tarde lançada em livro, foi considerada por acadêmicos de jornalismo a melhor já escrita de todo o século XX. A leitura é indispensável não só porque mudou o jornalismo para sempre, mas também porque ensina como contar uma história com estilo e simplicidade.

Os Sertões (1902) – Considerado uma tortura para a maioria dos leitores, o clássico de Euclides da Cunha é um verdadeiro tratado sobre o potencial jornalístico no Brasil. Apesar do vocabulário rebuscado e de parágrafos que parecem indecifráveis, Os Sertões é o retrato de um mundo até então desconhecido pelas lentes da imprensa, construído por alguém que teve a sensibilidade de trazer informações riquíssimas em uma terra desértica. Das três partes em que é dividido ("A Terra", "O Homem" e "A Luta"), as duas últimas são as que mais interessam ao jornalismo. Os que quiserem encarar não esquecerão dessa viagem.

Por quem os sinos dobram (1940) – Ernest Hemingway foi correspondente de guerra em Madrid durante a Guerra Civil Espanhola e conseguiu tirar, a partir deste episódio, uma de suas maiores criações escritas. Apesar de ser uma obra literária, Por quem os sinos dobram é um dos maiores exemplos de como um jornalista pode se apropriar da realidade para construir uma bela narrativa ficcional, sem perder a intimidade com a realidade presenciada. Segue, numa esfera internacional, o caminho de Os Sertões, ao transmitir toda a dimensão de um conflito e apropriá-lo a personagens literários.

A sangue frio (1959) – Considerado o primeiro grande livro-reportagem do século XX (inaugurou o chamado romance de não-ficção), A sangue frio resgata, com minúcias, o assassinato de uma família em uma inóspita cidade do Kansas (EUA). É um dos maiores exemplos de como o jornalismo pode mergulhar profundamente em uma realidade e reconstruí-la quase que inteiramente. Truman Capote preparou-se durante anos entre pesquisas, entrevistas e observação para traduzir o universo psicológico dos personagens e relatar os fatos que precederam o crime até a condenação dos assassinos. É um dos livros mais indicados em todos os cursos de jornalismo e referência, até hoje, da combinação entre o árduo trabalho de apuração e elementos literários.

Fama e anonimato (2004) – O norte-americano Gay Talese foi um especialista em seguir os passos de celebridades e de pessoas desconhecidas para criar reportagens publicadas nas revistas Esquire e New Yorker. Lançado recentemente no Brasil, Fama e anonimato é uma coletânea de perfis publicados originalmente na imprensa a partir da segunda metade do século XX. Divide-se em três temáticas: a vida urbana em Nova York; a construção da ponte Verrazzano-Narrows; e a vida de artistas e esportistas americanos. Talese trabalha com detalhes aparentemente inúteis, mas que, por suas mãos, dão um ar interessante à narrativa. Um de seus perfis mais famosos, "Frank sinatra está resfriado", é fundamental para entender a estrutura de um perfil. No making off "Como não entrevistar Frank Sinatra", o jornalista conta a proeza de ter escrito sobre o cantor apenas pela observação e pela entrevista com pessoas que o cercavam, visto que não conseguiu entrevistá-lo. Outra grande aula de jornalismo.

Notícia de um seqüestro (1996) – Poucos conhecem a faceta jornalística do vencedor do Nobel de Literatura, Gabriel García Márquez. Pois esse lado do escritor também se mostra magistral, ainda mais quando se trata de construir um livro-reportagem. A obra reconta uma série de seqüestros, protagonizada por narcotraficantes colombianos em 1990. Depois de entrevistar as vítimas e colher informações mais que precisas, Gabo usa a precisão desses detalhes e a habilidade literária para radiografar o mundo dos cativeiros. Imperdível não só para jornalistas, mas para todos que apreciam seu jeito ímpar de contar histórias.

Minha razão de viver – Memórias de um repórter (1987) – O livro de memórias de Samuel Weiner, considerado um dos maiores jornalistas brasileiros, interessa não somente pela trajetória do repórter e, posteriormente, dono do jornal Última Hora. O livro acaba por resgatar fatos de fundamental importância para a história do Brasil, como o memorável furo de reportagem de Weiner com Getúlio Vargas, pouco antes de retornar ao poder nos anos 50. Além de ter vendido jornais como água, a reportagem influenciou decisivamente o cenário político-eleitoral da época. Embora os acontecimentos relatados partam de um ponto de vista pessoal, unem jornalismo e história como mútuos protagonistas.

A regra do jogo (1997) – Outra obra que recria a memória de um jornalista, mas também traz reflexões abstratas sobre o dia-a-dia da profissão. Um dos pontos é a ética jornalística, que, segundo o autor, deve ser comparada à do marceneiro, ou seja, à de qualquer outro cidadão. Responsável pela modernização das redações de grandes jornais – O Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo – por volta dos anos 80, Cláudio Abramo emite uma série de desabafos sobre os cargos que ocupou na grande imprensa e sobre o relacionamento com colegas – grandes jornalistas do período. Boa referência sobre os bastidores das redações e sobre as relações construídas nesses ambientes, suas transformações e hierarquias.

Manual de radiojornalismo (2002) – Embora o título seja bem específico e até fuja de um foco de leitura mais generalista, seus autores – Heródoto Barbeiro e Paulo Rodolfo de Lima –, ambos experientes jornalistas da rádio CBN, trazem um guia essencial de termos para quem atua nas mais diversas áreas do jornalismo, de economia a esportes. Interessante para consulta, principalmente para estreantes que precisam de socorro em novas editorias.

Chatô – O rei do Brasil (1994) – Ler a biografia de Fernando Morais sobre o legendário Assis Chateaubriand (1892-1968) – dono do maior conglomerado da imprensa que o Brasil conheceu – parece uma missão ingrata, dado o tamanho da obra e a aglomeração de detalhes. Lido por muitos com desgosto, Chatô pode ser encarado por outra ótica: uma importante referência sobre a imprensa brasileira, pois recria não apenas a vida de um dos maiores empreendedores do ramo de comunicações, mas também fatos históricos como a era do rádio, a chegada da televisão na década de 50 e as mudanças econômicas e políticas que influenciaram a imprensa nacional.

Extraído do Digestivo Cultural de 20/6/2007

Postagens mais visitadas deste blog

Uma aula inesquecível

A cobertura policial nos tempos de Ramão Gomes Portão

Eduardo Martins, o Mestre