Minhas reportagens mais difíceis

Cláudio Amaral

Lembro-me bem das duas reportagens mais difíceis que eu fiz nestes 39, quase 40 anos de Jornalismo.

Foram dois incêndios em São Paulo: os dos edifícios Andraus e o do Joelma.

Um aconteceu no dia 24 de fevereiro de 1972. O outro, no dia 1° de fevereiro de 1974.

Um edifício fica na esquina da Avenida São João com a Rua Pedro Américo.

O outro, na Avenida 9 de Julho, 225, com fachadas para a Praça da Bandeira (lateral) e Rua Santo Antônio (fundos).

No incêndio do Andraus morreram 16 pessoas e 330 ficaram feridas.

Na tragédia do Joelma tivemos mais mortos (176) e menos feridos (300).

Quando soube do incêndio do Andraus, ocorrido no fim da tarde, eu estava na sala de imprensa da Federação Paulista de Futebol. Era repórter esportivo do Estadão.

Por ocasião do incêndio do Joelma, iniciado por volta das 9 horas da manhã, eu ainda estava no apartamento em que morava, na Rua Machado de Assis, na Aclimação. Eu, Sueli e nossa filha Cláudia, de menos de um ano.

Por causa do incêndio do Andraus, fui obrigado a ir a pé da sede da FPF, na Avenida Brigadeiro Luiz Antônio, ao prédio do Estadão, na Rua Major Quedinho, 28. Andei cerca de três quilômetros, mas não fui sozinho: milhares de pessoas andavam pelas ruas e avenidas centrais de São Paulo naquela noite, porque veículo algum tinha como sair do lugar.

Na manhã em que o fogo queimou o prédio e as pessoas que trabalhavam no Joelma, eu escrevia no meu escritório, ou melhor, no cubículo reservado à empregada da família, que não tínhamos. Como sempre fiz, e faço até hoje, tinha um radinho de pilhas ligado. Na ocasião, ouvia a Rádio Jovem Pan. Aumentei o volume ao ouvir a música com a qual a Pan sempre anunciava uma notícia extraordinária. E logo entrou no ar a voz marcante do repórter Milton Parron. Ele anunciou que a viatura de freqüência modulada da Jovem Pan se aproximava do Edifício Joelma e explicou que ali tinha início um incêndio de proporções ainda não definidas.

Durante o incêndio do Andraus, eu apurei informações e escrevi textos relativos às conseqüências na área esportiva. No caso do futebol, por exemplo, o jogo marcado para aquela noite, no Estádio Municipal Paulo Machado de Carvalho, o Pacaembu, teve que ser cancelado porque o gramado estava sendo utilizado para pouso dos helicópteros que atuavam no resgate de ocupantes do prédio. A atuação de pilotos e helicópteros foi fundamental na retirada de pessoas do Andraus, porque, como o fogo começou no térreo, centenas delas tiveram uma única alternativa: subir para o local mais alto do edifício, de onde foram retiradas com o uso de helicópteros.

Depois que eu terminei o meu trabalho junto a Editoria de Esportes, fui emprestados para a Reportagem Geral. E o chefe de reportagem, A. P. Quartim de Moraes, me escalou para uma das piores missões: acompanhar a chegada de corpos e parentes das vitimas fatais no IML (Instituto Médico Legal), junto ao Hospital das Clínicas, na região da Avenida Dr. Arnaldo. Foi terrível. Eu não estava habituado a conviver de tão de perto com a morte, quando mais com muitas mortes, corpos carbonizados e parentes desesperados. Foi uma das piores noites de minha vida como jornalista.

Por ocasião do incêndio do Joelma, a primeira providencia que tomei foi fechar o meu escritório. Em seguida, me vesti para o trabalho, tomei um copo de leite, dei um beijo na mulher, outro na filhinha pequenina e fui pra rua. Peguei o primeiro táxi que apareceu e pedi para me levar ao Estadão, na Rua Major Quedinho, 28, no centro de São Paulo. O motorista quis recusar a corrida, mas eu disse a ele que seguisse até onde fosse possível. E ele foi. Subiu a Rua Machado de Assis, onde eu morava, virou à direita na Rua Vergueiro, logo após o bairro do Paraíso entrou na Rua 13 de Maio e parou depois de cruzarmos a Avenida Brigadeiro Luiz Antônio (a mesma em que eu me encontrava por ocasião do incêndio do Andraus). De lá, eu fui a pé até o Estadão.

A movimentação de policiais e curiosos nos viadutos sobre a Avenida 9 de Julho, em torno do Joelma, me deixou nervoso. Subi logo para o 5º andar e entrei tremendo pela Redação do Estadão. Uma secretária que por ali passava logo viu que eu não estava bem e me trouxe um copo de água com açúcar. Nem assim eu me acalmei e o chefe de reportagem, Eduardo Martins, não queria me mandar para a rua naquele estado emocional. Insisti e fui.

Durante o dia, acompanhei exatamente a movimentação junto aos viadutos. Tinha muita gente que ia e vinha. Eram curiosos de todas as procedências. Sobre eles pairavam os olhares atentos e nervosos dos cavalarianos da Polícia Militar. No meu texto, 50 linhas de 70 toques, 3.500 no total, batidos numa velha Remington das muitas que tínhamos na Redação do Estadão, procurei relatar a confusão em detalhes. Com o máximo de detalhes possíveis, como me enfatizara o editor Carlos Conde.

À noite, fui para mais perto do Edifício Joelma. A ordem do chefe de reportagem era escutar as conversas dos bombeiros. Foi fácil. Eu havia feito esse trabalho durante o rescaldo do incêndio do Andraus em parceria com o jovem repórter Hamilton Octávio de Souza. Bastou eu me colocar próximo às viaturas e colar os ouvidos num dos rádios da corporação. Era um tal de pedir leite aqui, leite ali. Leite para bombeiros e os sobreviventes.

Os relatos eram os piores possíveis. No desespero, muita gente havia se jogado do prédio porque o fogo queimava a pele e as vestes de todos, dos pés à cabeça. E o barulho do corpo ao atingir o chão era chocante. Arrepiava até os mais fortes. Foi difícil escrever tudo o que eu vira e sentira naquele 1° de fevereiro de 1974.

O pior, entretanto, estava por vir e veio logo: não foi possível dormir naquela noite. Exatamente como me acontecera na noite do incêndio do Andraus, dois anos antes. O cheiro de corpos queimados não saia das minhas narinas. A fumaça gerada pela queima de papéis, madeira, tintas, fios e cabos elétricos e telefônicos, borracha, etc., ainda ardia nos meus olhos. E, pior de tudo, o grito das vítimas e da platéia, formada por parentes, amigos e curiosos ainda estava claro nos meus ouvidos. Felizmente, nunca mais tive que viver os horrores vividos durante as tragédias do Andraus e do Joelma.

Em tempo: para saber mais a respeito desses dois incêndios, consulte páginas especificas do site Wikipédia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Joelma e http://pt.wikipedia.org/wiki/Edif%C3%ADcio_Andraus.
2/3/2008 21:23:51

Postagens mais visitadas deste blog

Uma aula inesquecível

A cobertura policial nos tempos de Ramão Gomes Portão

Eduardo Martins, o Mestre