Mestre Irigino Camargo, o primeiro jornalista a acreditar em mim

Cláudio Amaral

Coloquei o telefone no gancho e encostei-me na parede de alvenaria coberta por uma folha de lambri furadinho que havia no lado esquerdo da mesa que eu ocupava na Redação do Jornal do Comércio de Marília.

Era algo como 7 horas da noite e o dono jornal, Mestre Irigino Camargo, que havia saído pontualmente às 6 horas da tarde para tomar banho e jantar na casa dele e do dona Zezé, estava chegando de volta para conferir a impressão do JC.

A rotina dele era britânica: chegava ao jornal às 7 horas da manhã, fechava às 11 horas, almoçava em casa a comida de dona Zezé ou da mãe dela, voltava ao meio-dia e saia para o jantar às 6 horas da tarde, quando deixava a edição do dia seguinte fechadinha.

Às 7 horas da noite ele voltava, enfiava a cabeça numa portinhola que lhe permitia ver a área de impressão e falava ou com Armindo Travagim, o Armindão, o chefe da oficina, ou com o ‘Cidão’, que operava a maquina que recebia papel em branco de um lado e cuspia o jornal impresso do outro, uma rotoplana.

Na época, o JC imprimia oito páginas por edição de terça a sábado e dez ou 12 páginas para o domingo.

A composição era a frio e ‘na unha’, ou seja, letrinha por letrinha, linha por linha, texto por texto. O Correio de Marília, o pioneiro e onde trabalhava quase que a família toda da minha futura esposa, Sueli, tinha linotipo e, assim, a composição era ‘a quente’.

Ao final da impressão, a equipe de manipulação do JC entrava em ação e juntava as páginas que haviam recebido tintas preta (usada na grande maioria do espaço) e vermelha (nos cabeçalhos da primeira e da última páginas). Esse cor, única na imprensa de Marília e região, fazia a diferença em favor do JC.

Antes do amanhecer o Jornal do Comércio estava pronto para ir às ruas e a turma do Air, o ‘Barbudão’, um sujeito fedido e mal vestido, saia de casa em casa, banca em banca, com a missão de levar aos leitores aquilo que a Redação, a Publicidade (comandada por meu Amigo e futuro padrinho de casamento Luiz Carlos Buscariolo Calegari) e a Oficina haviam produzido. Entre os entregadores estava o 'Bola Sete', hoje chefe de Produção no Jornal da Manhã.

A hora da verdade

Eu ainda me refazia da notícia a respeito do meu teste de fogo em Bauru e da esperada (ansiosamente) transferência para a sucursal de Campinas quando ouvi o ranger da porta se abrindo e os passos do dono do JC.

Ele percebeu que eu ainda estava ali, embora não tivesse mais o que fazer pela edição do dia seguinte, e veio em minha direção. Respirei fundo e disse:

- Mestre, o Estadão me convidou para ir para a sucursal de Campinas. O que o Sr. me diz disso?

Falei e me encostei novamente na parede em busca de apoio. Eu temia, sinceramente, que ele pudesse me dizer não, novamente, como fizera quando o Estadão me convidou para passar uma semana em Ilha Solteira, apurando informações e entrevistando moradores e operários para uma reportagem especial.

Graças a Deus a resposta foi bem diferente:

- Se você me disser que vai recusar a proposta do Estadão, apanha agora.

Dito isso, rimos e nos abraçamos como nunca havíamos feito.

Para mim, estava provado e comprovado que Mestre Irigino Camargo queria o meu bem e mais nada. Afinal, ele havia me contratado como correspondente em Adamantina, a 100 quilômetros de Marília, onde fiz minha primeira reportagem, dia 1º de maio de 1968; me levou para Marília e me deu emprego como repórter a partir de 6 de janeiro de 1969; me ensinou tudo o que um foca precisa saber; deixou o jornal inteirinho nas minhas mãos por diversas vezes, sempre quando tinha que viajar para São Paulo; me impôs como correspondente do Estadão ao jornalista Stipp Júnior; me deu tempo e espaço para escrever para o Estadão e ameaçou me bater caso eu não aceitasse seguir carreira no então maior jornal do Brasil. O que eu queria mais?

Fiquei mais uma semana no JC de Marília, fui a Bauru para a cobertura dos Jogos Abertos do Interior de 1970 (tema de um próximo depoimento) e em seguida me mudei para Campinas.

Em tempo: Mestre Irigino Camargo faleceu aos 81 anos de idade, no dia 3 de fevereiro de 2004, em Marília. Era viúvo e deixou dois filhos e netos.

12/3/2008 14:07:51


Em 24/01/2009 23:26, ">Luiz Gonzaga escreveu:

Sr. Cláudio Amaral

Hoje estava navegando na Internet e casualmente, vi o seu Blog, e para minha surpresa falava, de uma pessoa que tenho o maior carinho e não tinha conhecimento que o mesmo já havia falecido no dia 03 de fevereiro de 2004.

No seu artigo aos estudantes de Jornalismo, o sr. fala do mestre Irigino Camargo, que foi o meu primeiro patrão e amigo. Trabalhei no Jornal do Comércio de 1960 a 26 de maio de 1967, quando sai para ingressar na Força Pública do Estado de São Paulo, hoje Policia Militar, da qual me aposentei na graduação de Subtenente PM, estando fora de Marília deste 1967, atualmente estou residindo em Campinas, uma vez que trabalhei por quase trinta anos no Oitavo Batalhão.

Tudo o que o sr. fala do mestre Irigino, me levou a 48 anos atrás, quando menino, com menos de 13 anos de idade, entrei pela primeira vez na oficina do JC para decorar a caixa tipográfica, que foi me ensinada pelo sr. Armindo Travagim, posteriormente trabalhei com o Valdemar, impressor e posteriormente o CIDÃO. Na minha cabeça passou um filme quando o sr. fala da pontualiudade britânica do SR. IRIGINO, quando sai para jantar e retornava às 19 horas para liberar a impressão do Jornal, do Air, que fazia o controle da distribuição do Jornal e de vários outros amigos.

Dos filhos dele Ariadene e Evadene, que nunca mais soube notícias. O que não consigo esquecer era do Slogan do Jornal do Comércio - "QUEM NÃO TEM INIMIGOS É PORQUE NUNCA TOMOU POSIÇÃO NA VIDA", abaixo do nome do jornal.

O sr. eu não conheci porque chegou no jornal em 1968, após a minha saída, mas tive a oportunidade de passar para as letrinhas - Uma a uma - artigos do SR. Américo, Octávio Seschi, do saudoso Marcelino Medeiros, do Osmar Santos e do próprio sr. Irigino, que fez comigo o que fez para o Sr. orientando-me que deveria fazer um concurso público para poder ter tranquilidade no final da vida, hoje ao ver o seu artigo na Internet a respeito do mesmo, chorei de emoção ao recordar tudo isso e gostaria de ter a oportunidade de conhece-lo para falar deste grande homem, que me deu muita orientação na vida.

Sabe atualmente, sou aposentado pela Policia Militar, mas continuo a trabalhar numa grande empresa de transporte coletivo em Campinas, na função de Instrutor Técnico, aplicando os conhecimentos que aprendi durante a minha vida e porque não dentro da própria PM.

Meu nome: LUIZ GONZAGA DE SOUZA
Resido em Campinas, na Av. Marechal Joarez Távora, n.º 337 - Bairro Jardim Campos Elíseos - Cep 13060-866 - Fone 19 32339006 - ou celular 19 81291747 - E-mail: gonzagals@terra.com.br

Parabens por falar de uma grande pessoa.

Um abraço que continue com o seu sucesso nesta maravilhosa profissão de jornalista

Gonzaga

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