O meu teste de fogo
Cláudio Amaral
O meu teste de fogo para a primeira transferência de cidade dentro da rede de correspondentes do Estadão foi a cobertura dos Jogos Abertos do Interior em Bauru (SP), em 1970.
Eu nunca havia participado de uma cobertura tão grande.
Além da grandeza e da importância daquele trabalho, tive que enfrentar uma ciumeira inexplicável do pessoal de Bauru. Jornalistas, dirigentes e políticos locais não se conformavam com o fato de o Estadão ter mandado a aquela cidade exatamente um repórter de Marília, que eles consideravam inferior em todos os sentidos. Queriam, e até me disseram isso sem cerimônia, que o jornal tivesse mandado um jornalista de São Paulo.
Passei por cima desta questão. Até porque eu tinha muito que fazer durante os Jogos Abertos do Interior.
O Estadão me hospedou no melhor hotel de Bauru, mas o que menos fiz naqueles dez dias fora de casa foi dormir.
Acordava com o raiar do Sol e ia dormir sempre depois da meia-noite, ou seja, após a última competição e o último boletim do dia.
Corria de quadra em quadra o dia todo.
Entrevistava atletas, treinadores, dirigentes e torcedores.
Entre uma competição e outra, ia ao centro de imprensa, modesto para os padrões do século 21, escrevia, ligava para o jornal e ditava os meus textos, palavra por palavra, linha por linha, lauda por lauda.
Na época, 38 anos atrás, não tínhamos nem telex para transmitir o noticiário. Fax? Ninguém sabia o que era isso no Interior paulista. Internet? Nem pensar. Era tudo no gogó, na garganta. E o ditado tinha que ser rápido, pois eu precisava correr atrás de outras notícias, novos resultados e mais entrevistas.
Escrevia no mínimo 300 linhas de 70 toques, ou seja, 21.000 batidas na máquina de escrever mecânica por dia.
No dia seguinte, dez dias seguidos, abria o Estadão e lá estava uma página inteira sob um título de oito colunas, abaixo do qual vinha o meu nome: Cláudio Amaral – Enviado Especial a Bauru.
Para ilustrar meus textos, o jornal mandara a Bauru o fotógrafo Messias Augusto da Silva, um negro pequeno, franzino, que escondia a idade de todos nós, mas que devia ter mais de 50 anos, quando eu ainda havia passado dos 20.
Nem me lembro como eu fazia para almoçar e jantar. Lembro-me apenas que caprichava no café da manhã, na certeza de que não teria tranqüilidade para mais uma refeição completa ao longo do dia.
Um furo inesquecível
Mesmo trabalhando de 12 a 15 horas por dia, vocês acreditam, meu caros estudantes de Jornalismo, que levei um furo de A Gazeta Esportiva? Levei um furo e uma bronca das mais duras, para nunca mais esquecer.
O furo aconteceu porque não avaliei bem a importância de uma reunião do comitê disciplinar dos Jogos Abertos. Alguns atletas de destaque foram punidos e só A Gazeta Esportiva noticiou.
Ludemberg Teixeira de Góes, editor de Esportes do Estadão, me ligou e me deu a maior lição. Disse que não admitia tomar um furo de A Gazeta Esportiva e terminou a ligação dizendo: “Que isso não se repita”.
Desliguei o telefone, abaixei a cabeça, sai de fininho e fui chorar no banheiro do centro de imprensa. Só voltei ao trabalho depois que me senti refeito da bronca. Aí, sim, ergui a cabeça, respirei fundo e fui em busca da recuperação.
Os Jogos Abertos de Bauru de 1970 terminaram no domingo e na segunda-feira eu já estava de volta a Marília. Passei no Jornal do Comércio para me despedir do Mestre Irigino Camargo, dos Amigos Luiz Carlos Buscariolo Callegari (Publicidade) e Francisco Giaxa (Reportagem), dos rapazes da Oficina e dos vizinhos do JC com quem fizeram amizade.
Fiz mais algumas pequenas notícias para o Estado, na última semana de Marília, fiz a mala (uma única), me despedi dos meus pais, da minha irmã caçula e do meu irmão, chorei como criança ao dizer adeus à minha noiva, com quem ficava tanto tempo quando eu tivesse livre, e viajei de trem para Campinas.
Em Campinas... Bem, meus seis meses em Campinas é tema para um outro texto.
25/3/2008 22:18:43
O meu teste de fogo para a primeira transferência de cidade dentro da rede de correspondentes do Estadão foi a cobertura dos Jogos Abertos do Interior em Bauru (SP), em 1970.
Eu nunca havia participado de uma cobertura tão grande.
Além da grandeza e da importância daquele trabalho, tive que enfrentar uma ciumeira inexplicável do pessoal de Bauru. Jornalistas, dirigentes e políticos locais não se conformavam com o fato de o Estadão ter mandado a aquela cidade exatamente um repórter de Marília, que eles consideravam inferior em todos os sentidos. Queriam, e até me disseram isso sem cerimônia, que o jornal tivesse mandado um jornalista de São Paulo.
Passei por cima desta questão. Até porque eu tinha muito que fazer durante os Jogos Abertos do Interior.
O Estadão me hospedou no melhor hotel de Bauru, mas o que menos fiz naqueles dez dias fora de casa foi dormir.
Acordava com o raiar do Sol e ia dormir sempre depois da meia-noite, ou seja, após a última competição e o último boletim do dia.
Corria de quadra em quadra o dia todo.
Entrevistava atletas, treinadores, dirigentes e torcedores.
Entre uma competição e outra, ia ao centro de imprensa, modesto para os padrões do século 21, escrevia, ligava para o jornal e ditava os meus textos, palavra por palavra, linha por linha, lauda por lauda.
Na época, 38 anos atrás, não tínhamos nem telex para transmitir o noticiário. Fax? Ninguém sabia o que era isso no Interior paulista. Internet? Nem pensar. Era tudo no gogó, na garganta. E o ditado tinha que ser rápido, pois eu precisava correr atrás de outras notícias, novos resultados e mais entrevistas.
Escrevia no mínimo 300 linhas de 70 toques, ou seja, 21.000 batidas na máquina de escrever mecânica por dia.
No dia seguinte, dez dias seguidos, abria o Estadão e lá estava uma página inteira sob um título de oito colunas, abaixo do qual vinha o meu nome: Cláudio Amaral – Enviado Especial a Bauru.
Para ilustrar meus textos, o jornal mandara a Bauru o fotógrafo Messias Augusto da Silva, um negro pequeno, franzino, que escondia a idade de todos nós, mas que devia ter mais de 50 anos, quando eu ainda havia passado dos 20.
Nem me lembro como eu fazia para almoçar e jantar. Lembro-me apenas que caprichava no café da manhã, na certeza de que não teria tranqüilidade para mais uma refeição completa ao longo do dia.
Um furo inesquecível
Mesmo trabalhando de 12 a 15 horas por dia, vocês acreditam, meu caros estudantes de Jornalismo, que levei um furo de A Gazeta Esportiva? Levei um furo e uma bronca das mais duras, para nunca mais esquecer.
O furo aconteceu porque não avaliei bem a importância de uma reunião do comitê disciplinar dos Jogos Abertos. Alguns atletas de destaque foram punidos e só A Gazeta Esportiva noticiou.
Ludemberg Teixeira de Góes, editor de Esportes do Estadão, me ligou e me deu a maior lição. Disse que não admitia tomar um furo de A Gazeta Esportiva e terminou a ligação dizendo: “Que isso não se repita”.
Desliguei o telefone, abaixei a cabeça, sai de fininho e fui chorar no banheiro do centro de imprensa. Só voltei ao trabalho depois que me senti refeito da bronca. Aí, sim, ergui a cabeça, respirei fundo e fui em busca da recuperação.
Os Jogos Abertos de Bauru de 1970 terminaram no domingo e na segunda-feira eu já estava de volta a Marília. Passei no Jornal do Comércio para me despedir do Mestre Irigino Camargo, dos Amigos Luiz Carlos Buscariolo Callegari (Publicidade) e Francisco Giaxa (Reportagem), dos rapazes da Oficina e dos vizinhos do JC com quem fizeram amizade.
Fiz mais algumas pequenas notícias para o Estado, na última semana de Marília, fiz a mala (uma única), me despedi dos meus pais, da minha irmã caçula e do meu irmão, chorei como criança ao dizer adeus à minha noiva, com quem ficava tanto tempo quando eu tivesse livre, e viajei de trem para Campinas.
Em Campinas... Bem, meus seis meses em Campinas é tema para um outro texto.
25/3/2008 22:18:43